Entenda o mecanismo de resistência à quimioterapia
Você está localizado em: Home » Artigos » Entenda o mecanismo de resistência à quimioterapia
Drogas utilizadas no início do tratamento de tumores malignos são capazes de fazê-los regredir. Mas é comum observar que, meses depois, o tumor volta a crescer e então não responde mais às drogas usadas inicialmente. Isso força o médico a mudar o tratamento.
A maioria dos pesquisadores crê que esse fenômeno se deve ao aparecimento de novas alterações genéticas, que tornam as células cancerosas resistentes ao medicamento usado inicialmente. Mas restava uma dúvida. As células resistentes ao medicamento já existiam no tumor inicial ou as mutações teriam aparecido durante o tratamento?
Agora foi possível demonstrar que, ao menos em um tipo de tumor, essas células resistentes ao tratamento já estavam presentes antes do início do mesmo.
Foram estudados pacientes com câncer colorretal tratados com uma droga capaz de bloquear o receptor de um hormônio (epithelial growth factor receptor ou EGFR). Uma fração significativa dos pacientes com esse tipo de tumor responde muito bem ao tratamento com essa droga. Após 5 a 10 semanas, por meio de tomografias, é possível observar que a massa tumoral diminui. Sua regressão também pode ser observada medindo a quantidade da molécula antígeno carcinoembriogênico (CEA) produzida pelas células tumorais.
O problema é que em parte desses pacientes, após 20 a 25 semanas, as massas tumorais reaparecem e os níveis de CEA voltam a aumentar. Nesses casos, um novo tratamento com a mesma droga é incapaz de controlar o tumor. Quando os cientistas sequenciaram os genes dessas células tumorais, descobriram que elas possuíam uma nova mutação, em um gene chamado Kras. Essa mutação torna as células resistentes à droga utilizada inicialmente.
Mas será que essas células com a mutação em Kras já existiam em pequena quantidade no tumor inicial ou surgiram durante o tratamento? Até agora, essa pergunta não podia ser respondida. Mesmo quando não era possível detectar a mutação de Kras em amostras do tumor primário, os métodos disponíveis só permitiam afirmar que, se essas células com Kras alterado já existiam, estavam presentes em números tão pequenos que era impossível detectá-las.
Por outro lado, quando um dos novos tumores era detectado em uma tomografia, ele já possuía as células com a mutação em Kras. O momento exato do surgimento dessas células mutantes era impossível de estudar sem um método capaz de detectar uma quantidade minúscula dessas células.
Novo método. Agora foi desenvolvido um método, a biopsia líquida, capaz de medir a presença do Kras alterado no sangue. Isso é possível porque algumas células com o gene alterado se rompem, seu DNA é liberado e circula livremente. Com técnicas de sequenciamento de DNA é possível detectar uma única molécula desse fragmento de DNA em 1 mililitro de sangue. Os cientistas calculam que isso corresponde à existência de somente 44 milhões de células alteradas em todo o corpo.
Esse método é milhares de vezes mais sensível que uma tomografia. Em um exame de imagem, acredita-se que o menor tumor que pode ser detectado já possui aproximadamente 1 bilhão de células, e diversos desses microtumores surgem simultaneamente.
Os cientistas utilizaram esse método para estimar a quantidade de células com a alteração em Kras em pacientes durante toda a duração de seu tratamento. E observaram que é possível detectar essas células durante o período em que o tratamento com o inibidor de EGFR está surtindo efeito e as massas tumorais estão regredindo.
De posse desses dados quantitativos, obtidos em diversos pacientes ao longo do tratamento, é possível estimar não somente quantas células com a mutação em Kras existem em cada momento, mas, utilizando modelos matemáticos, extrapolar para o passado o momento em que as primeiras dessas células teriam surgido.
Com base nesses cálculos foi possível concluir que as células com a mutação em Kras já existem no tumor inicial e a aparente remissão é ilusória. À medida que as células sem Kras alterado são eliminadas pela primeira droga, as células com Kras alterado já estão se dividindo e se espalhando. Os cientistas acreditam que é por esse motivo que a remissão dura tão pouco tempo. O fracasso no longo prazo já estaria garantido no início do tratamento.
Essa conclusão pode parecer desanimadora, mas na verdade abre novas perspectivas de tratamento. Acredita-se que para prolongar a remissão desse tipo de tumor é necessário atacar, logo de início, tanto as células que não possuem a mutação em Kras quanto as poucas células que já possuem a mutação. Isso é possível combinando duas ou mais drogas desde o início do tratamento.
O Estado de São Paulo