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Câncer: O que dizer e como agir quando a vida dá medo

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25/03/2019

 

Meu pai morreu de câncer de próstata quando eu tinha 18 anos. O prognóstico dele não era otimista, mas eu tentei ser. Lembro claramente de estar com ele numa fila logo depois do diagnóstico, dizendo: “Pai, está tudo bem, você é forte e pode derrotar a doença”.

Meu pai – que era médico – assentiu com a cabeça, sorrindo para mim e para minha irmã menor. Mas ele sabia que àquela altura já não havia mais esperança de cura.

Hoje, treze anos depois da morte dele, ainda me arrependo daquele momento.

Me culpo por dizer aquelas palavras, porque elas implicam que o câncer é uma questão de vencer ou perder e que você de alguma maneira “foi derrotado” se for tomado pela doença.

A ideia de “derrotar” algo tão insidioso como o câncer perpetua o mito de que o paciente é inteiramente responsável por sua recuperação, não um ser humano preso num ciclo interminável de cirurgias, quimioterapia, radioterapia e voltas da doença. Se eles não a derrotarem? Fracasso.

Como filha, essa linguagem cheia de clichês fazia todo o sentido. Até mesmo hoje, lembro do meu pai como um Super-homem da vida real, um homem que participava de competições de fisiculturismo no sul da Califórnia (numa época em que havia poucos descendentes de asiáticos participando dos campeonatos), era editor de uma revista de fisiculturismo e depois ajudou incontáveis pacientes como clínico geral.

“Vamos lutar, você consegue vencer”, é um refrão muito ouvido entre familiares e amigos de quem tem câncer, diz BJ Miller, especialista em pacientes em estado terminal da Universidade da Califórnia em San Francisco.

“Acho que dizemos esse tipo de coisa por hábito”, disse ele ao HuffPost. “Às vezes as pessoas nem pensam antes de falar. É mais um gesto que um diálogo.” 

Além disso, observa Miller, existe o fator cultural: nós gostamos de nos distanciar da morte. Associamos doença, sofrimento ou morte com fraqueza, enquanto ao mesmo tempo nos colocamos na condição de heróis-guerreiros, numa tentativa de nos sentir empoderados.

“Sentir-se durão na hora da fraqueza pode ajudar”, diz Miller. “Demonizamos o câncer para que nos mobilizemos para a luta.”

Mas ainda assim somos humanos. Mais cedo ou mais tarde, todos vamos envelhecer e “perder” nossas batalhas, mesmo que nossos corpos não sucumbam ao câncer.

“É algo que todos temos de aceitar, coletivamente”, diz Miller. “Acho que estamos começando a perceber que precisamos de um novo constructo além de ‘derrotar o câncer’, ou então vamos nos sentir derrotados.”

E um fato não muda: o câncer é um verdadeiro ataque contra a pessoa; as células do câncer crescem e se multiplicam, ad nauseam, formando tumores que provocam o caos no sistema imunológico. Seu corpo está em guerra contra si mesmo, literalmente. 

Nesse sentido, a imagem do combate que usamos nas conversas é adequada. Quando dizemos que uma pessoa querida pode “derrotar o câncer”, estamos dizendo que ela não é somente forte, mas que estamos ao lado dela nas trincheiras. Infelizmente, às vezes isso pode ter impacto involuntário na saúde mental, especialmente se o paciente já estiver em paz com um prognóstico negativo.

Nagashree Seetharamu, oncologista do Northwell Health Cancer Institute, entende nossa resposta exagerada e cheia de raiva. Mesmo com os avanços científicos e o aumento das taxas de sobrevivência, o diagnóstico do câncer ainda dá muito medo. (Ela sabe: alguns anos atrás, ela recebeu diagnóstico de câncer de mama ainda na fase inicial.)

“A reação automática é lutar contra esse demônio – eliminá-lo. O problema é que, nessa luta, às vezes esquecemos do indivíduo que sofre do câncer. Tentando nos livrar da peste, muitas vezes acabamos ferindo o hospedeiro. 

Como quer que acabe a jornada, temos de nos concentrar em estar com a pessoa: o vencedor deveria sempre ser o paciente.

“Para mim, ‘derrotar o câncer’ significa não permitir que a doença dite como eu – ou meus pacientes – vivem ou morrem”, diz Seetharamu. “Isso envolve realizar os procedimentos e tratamentos para controlar ou curar o câncer quando há chances razoáveis de fazê-lo.”

É bom lembrar que existem vantagens óbvias no uso de linguagem otimista quando se fala da doença. Pesquisas mostram que uma atitude positiva diante do tratamento de câncer pode ter efeito no resultado.

Existe um meio termo entre o “você pode derrotar o câncer” e uma resposta catastrófica – algo que eu gostaria de saber quando meu pai recebeu o diagnóstico.

Mencionar a força que ele tinha demonstrado diante das adversidades provavelmente teria ajudado. Essa é uma abordagem segura, diz Kelsey Crowe, sobrevivente do câncer e autora de There Is No Good Card for This: What To Say and Do When Life Is Scary, Awful, and Unfair to People You Love (Não existe cartão bom para isso: O que dizer e fazer quando a vida dá medo, é terrível e injusta com as pessoas que você ama, em tradução livre).

“Se a pessoa tem esperanças, em vez de dizer ‘você pode derrotar a doença’, talvez seja melhor dizer: ‘Já vi você passar por dificuldades antes, e essa é a coisa mais difícil’”, afirma Crowe. “Se alguém não está muito seguro, uma sugestão é afirmar que você admira a pessoa por estar em paz com essa fase da vida, concentrando-se em cultivar um fim pacífico.”

No fim das contas, não existem regras para esse tipo de coisa. Você precisa ser capaz de ler o ânimo da pessoa. O mais importante é tentar ajudar, diz Miller.

“Acho que há espaço para essa abordagem mais ‘bruta’ – o ‘você pode vencer a doença’ ―, mas em geral precisamos ter espaço para um espectro mais amplo de respostas”, afirma ele.

“Você também pode dizer algo simples: ’Estou feliz por você ter me contado. O que quer que aconteça, qualquer que seja sua decisão, estou contigo.”

Fonte:HuffPost Brasil

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