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25/03/2019
Taís Rocha tinha 47 anos quando, recém-saída de um relacionamento abusivo, descobriu que tinha câncer de mama. Ainda durante o tratamento pensou ter encontrado um novo amor, mas o namoro acabou assim que os seus cabelos começaram a cair, consequência da quimioterapia. O companheiro não soube lidar com o diagnóstico, e ela mesma decidiu seguir sua luta sozinha.
— Sei que sou um ponto fora da curva. O instinto de sobrevivência falou mais alto em mim. Preferi enfrentar tudo sozinha, mas em paz — conta Taís, admitindo ter sentido falta de apoio durante a recuperação.
Sua experiência é parecida com a de Roseli Theodoro, de 46 anos. Ao receber o diagnóstico de câncer de mama, foi abandonada pelo marido, com quem foi casada por duas décadas.
— Senti um afastamento imediato logo após o primeiro atendimento. Ele só foi comigo ao hospital na primeira vez, depois dizia que não podia. Ele nem dormia mais ao meu lado — relata Roseli, que é pensionista e faz bicos para ajudar sua filha a se formar na faculdade.
A falta de apoio das pessoas no entorno é um dos principais motivos que levam ao mais frequente transtorno psiquiátrico que acomete as pacientes com câncer: a depressão.
Segundo estudo do Centro de Referência da Saúde da Mulher e do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), a depressão ocorre em até 29% dos casos e está associada a um pior prognóstico e aumento da mortalidade pelo câncer.
A solução encontrada por Roseli para a solidão foi frequentar um grupo de apoio. No Amigas do Peito, encontrou outras mulheres com a mesma doença, partilhou experiências e encontrou acolhimento:
— Para mim, essa amizade entre mulheres foi muito importante. Se não fosse por esse grupo, eu teria pirado mesmo. Nós apoiamos umas às outras, é um lugar que nos fortalece.
Para ela, a presença da sua família e do grupo de mulheres do hospital preencheu o vazio que a separação deixou. Hoje, Roseli procura ajudar outras pacientes que também foram abandonadas pelo companheiro.
— Vejo mulheres morrendo não pelo câncer, mas pela depressão — desabafa. — Se não tiver uma pessoa para te ajudar, seja familiar, seja um grupo, você fica muito vulnerável.
Curada desde 2006, Roseli conta que foi preciso se manter ocupada para não entrar em depressão. Hoje, namorando um homem mais jovem, conta que o ex-marido voltou a procurá-la.
— Depois que eu fiz a reconstrução da mama, ele quis voltar. Mas aí eu não aceitei — diz. — Se ele não me quis com um seio só, porque ele vai querer agora? Eu comecei a me amar.
Desamparo e ansiedade
A assistente social Solange Nagy coordena uma das unidades do Grupo de Apoio a Pessoas com Câncer. Com 12 anos na área da oncologia, ela diz ser “bem comum” ver mulheres abandonadas após o diagnóstico.
Erika Pallottino, psicóloga especializada em lutos e perdas, diz que o estado emocional abalado pela falta de apoio pode resultar num quadro de piora da doença:
— Algumas mulheres conseguem superar por se sentirem sobreviventes do câncer, outras podem dar início a um quadro de depressão. O desamparo diminui a autoestima, a sensação de segurança. Pode causar ansiedade e alteração no sono.
Para a psicóloga, o suporte emocional é importante para ajudar a organizar os sentimentos e dar força para a continuidade do tratamento, com todas as dificuldades que ele traz. Pallottino reitera a importância dos grupos de apoio, que possibilitam às mulheres se reconhecerem naquelas que atravessam as mesmas dificuldades.
O desamparo não se dá apenas na esfera amorosa. A advogada Ludmilla Viegas, de 35 anos, descobriu um câncer de mama aos 33 e foi demitida logo após sua cirurgia de mastectomia total.
— Quando falei no escritório que não podia digitar, eles me demitiram. Depois disso, fui diagnosticada com depressão. Fiquei sem nada, e minha vida se resumia ao câncer — lembra a advogada.
Ludmilla foi orientada a procurar um psicólogo, porque dormia mal e chorava muito. Conheceu então o Amigas do Peito, mas demorou a concordar em se juntar ao grupo. Não queria, conta ela, estar num lugar “cheio de gente triste e doente”. Com o tempo, começou a enxergar nas outras a sua história.
— Muitas passavam pelo mesmo que eu. Percebi que estavam doentes, mas só de corpo. Por dentro, eram felizes e animadas.
Mesmo enfrentando o tratamento, Ludmilla se apaixonou. Sem um dos seios, aceitou o pedido de casamento que sua companheira fez pouco antes da primeira sessão de quimioterapia. Passou a organizar os preparativos da festa e, graças ao que aprendeu nas aulas de artesanato do grupo de apoio, conseguiu fazer seu próprio buquê e as lembrancinhas dos convidados. A cerimônia foi marcada para depois da última sessão de quimioterapia da paciente.
— A festa foi no dia do aniversário do nosso primeiro beijo. Meu véu tinha seis metros de comprimento. Falei: “já que não tenho cabelo, meu véu vai ser grande” — conta ela. — Fui criada por mulheres, não sei quem é meu pai e não tenho figuras masculinas por perto. Elas cuidaram de mim, juntamente com as meninas do grupo de apoio e, principalmente, a minha esposa. Ela quis se casar comigo mesmo eu estando careca e doente.
Fonte: O Globo
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