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Você está localizado em: Home » Notícias » “Não há cura para o câncer. Há curas para cânceres”
22/03/2018
Paulo Hoff, que no ano passado assumiu a direção do setor de oncologia daRede D’Or São Luiz, é um dos maiores especialistas no estudo da doença que mata cerca de 8,8 milhões de pessoas por ano em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Hoff é também diretor-geral do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), maior serviço oncológico do Brasil, 100% público. Confira a entrevista a seguir:
Como a crise econômica afetou o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, que você dirige?
O Icesp é 100% SUS. O hospital teve uma implementação faseada a partir de 2008. Atingiu o seu pico entre 2014 e 2015. Realiza entre 600 e 700 cirurgias por mês, tem cerca de 8.000 pacientes quimioterápicos por mês. Nossa radioterapia tem dez aparelhos, é o maior serviço do tipo no Brasil, funcionando a toda carga. Só que, ao mesmo tempo, houve um aperto financeiro muito grande no estado. Acho que não é algo deliberado. Hoje você tem mais dificuldade de negociar o financiamento das instituições, e isso afeta.
Falta verba ou falta gestão ágil para a saúde pública?
Claramente você tem uma situação hoje em que há uma dificuldade maior do que se tinha em anos passados. É interessante porque existe essa discussão de se tem subfinanciamento ou problemas de gestão. Acho que há problemas nas duas esferas. Acho que seria ingênuo imaginar que não há subfinanciamento na saúde, porque se gasta menos per capita do que outros países da América Latina. Por outro lado, existe possibilidade de melhoria na gestão. Todo sistema grande como o SUS tem acúmulos que podem levar a, é delicado usar essa palavra, desperdício. É muito fácil qualquer pequena mudança levar a um grande, abro aspas, desperdício. Um exame a mais que se peça num sistema que atende cem milhões de pacientes é muito dinheiro.
O senhor, e muitos médicos de elite, dão expediente em hospitais públicos e privados, ao mesmo tempo. O que isso tem de positivo?
Que a experiência do paciente na rede pública seja a mais próxima possível da rede privada. Isso não significa que seja exatamente igual. A quantia de recursos para dar o mesmo serviço seria absurda. Se a parte de hotelaria não for igual, mas o paciente receber o tratamento de que precisa, isso não importa. Os médicos que têm experiência na rede pública e na rede privada ao mesmo tempo, e conhecem as diferenças, podem ajudar a levar aos gestores públicos as demandas para fazer esses dois serviços se aproximarem.
Como funciona a adoção de inovações científicas pela rede pública?
Nesse ponto, a crise econômica do país teve um impacto maior. Em 2007 e 2008, nós conseguimos introduzir no estado de São Paulo uma série de medicamentos que não estavam disponíveis. De lá para cá, isso ficou muito mais difícil. O governo federal criou um grupo dentro do Ministério da Saúde, a Conitec, que eu considero um avanço. A Conitec tem como função discutir a incorporação de novas tecnologias na saúde. O que nós temos em relação à Conitec é que você tem uma morosidade na incorporação de novas tecnologias. E pode estar havendo uma contaminação no processo decisório pela situação econômica do país. Porque, quando você traz novas tecnologias para a saúde, acaba enfrentando a realidade de que isso traz custo.
A evolução científica necessariamente encarece o tratamento?
No passado, havia uma expectativa de que a incorporação de novas tecnologias seria substitutiva. Isso levaria, se não a uma economia, pelo menos, a uma equação de soma zero. Mas a incorporação tem sido aditiva, isso é uma realidade no mundo inteiro. A inflação oncológica é maior que a inflação média que é maior que a inflação normal.
Existe uma ansiedade social para a cura do câncer. Isso vai acontecer?
Isso, infelizmente, não deve acontecer. Haverá curas para os cânceres. Eu sigo dizendo que não existe câncer. Você tem uma série de doenças que tem a mesma raiz, uma alteração do DNA. Mas, tirando isso, são doenças completamente diferentes. Uma mulher com câncer de mama é diferente de uma criança com leucemia.
Muito se fala da imunoterapia como uma solução para a doença...
A imunoterapia não é uma novidade, foi desenvolvida há décadas, como estímulos para o sistema imune lutar contra o câncer. Mas agora se tem que a imunoterapia pode curar todos os cânceres. Não será o caso. Mas que a imunoterapia é importante não se tem dúvida. Ela funciona muito bem para alguns casos. Há uma alteração molecular que faz com que 3% dos pacientes de determinado tipo de câncer no colo se beneficiem muito da imunoterapia. Outros 97% não terão benefício em fazer esse tipo de tratamento. Essa é uma linha de pesquisa necessária: como fazer com que esses 97% dos pacientes consigam se beneficiar também? Temos que tratar caso a caso.
Então, além de novas descobertas, é importante pesquisar quais tratamentos funcionam para quem?
Sim. É preciso saber o que é para quem. Eu sempre uso uma expressão com os meus residentes: hoje vivemos uma realidade em que as pessoas esperam que tudo esteja disponível para todos. Eu costumo dizer que isso é utópico, não no sentido pejorativo, mas no sentido em que isso não é viável. Em nenhum lugar do mundo. Precisamos dar a quem precisa o que funciona. A diferenciação é sutil, mas o impacto financeiro é gigantesco.
E como dizer a um paciente que nem todos os tratamentos são para ele?
É muito difícil, eu entendo. As pessoas que têm câncer e seus familiares não costumam ser da área da saúde. Têm uma experiência limitada com uma doença crônica grave. E é normal que eles queiram todas as alternativas possíveis e imagináveis. Eles falam: "Doutor, mesmo que seja uma chance pequena, eu quero tentar”. Aí tem um problema crônico que, nós médicos e vocês, imprensa, tendemos a amplificar bastante os resultados possíveis de alguns tipos de tratamento. Isso não é prudente.
Seus pacientes questionam sobre tratamentos milagrosos que veem na internet?
Perguntam. Surge uma novidade na internet, geralmente baseada num fato científico, mas que não respeita o método científico. "Câncer gosta de açúcar.” É verdade. Toda célula que está em trabalho metabólico gosta de energia, portanto de açúcar. Aí vem a parte que não tem ciência: "Para de comer açúcar que o câncer não vai crescer, ou vai reduzir.” Olha, essa asserção não tem fundamentação nenhuma. Até porque a quantidade de açúcar é mantida constante no sangue pelo corpo. Parte-se de uma afirmação científica e chega-se a uma conclusão sem embasamento.
Fonte: GALILEU
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