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26/04/2019
Um artigo com mais de 330 mil compartilhamentos no Facebook diz que um médico que descobriu a “cura do câncer” está sendo “bloqueado pela indústria farmacêutica”. Porém, não existem evidências que sustentem essa alegação. Oncologistas ouvidos pelo Estadão Verifica informam que não há indicação médica para utilização da substância citada no boato, DCA, no tratamento de câncer. Além disso, não existe hoje um tratamento global para o câncer — e é improvável que vá existir.
O texto que circula nas redes sociais traz algumas informações verdadeiras. De fato, o professor Evangelos Michelakos, da Universidade de Alberta, no Canadá, conduziu um estudo com o composto dicloroacetato (DCA) em camundongos e células humanas. A pesquisa, publicada em 2007, mostrou que uso da substância inibia “o crescimento de tumores, sem toxicidade aparente” em diferentes tipos de câncer.
A descoberta veio com otimismo e causou um boom de procura por pacientes com câncer. No entanto, resultados de experimentos em laboratório com camundongos e células humanas são preliminares. Para aprovar uma medicação nova, o remédio ainda precisa passar por várias fases de testes com seres humanos. No caso do DCA, não houve estudo clínico posterior que confirmasse a eficácia desse tratamento em pacientes.
Depois disso, o interesse pelo DCA baixou, diz o vice-presidente para Relações Nacionais e Internacionais da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), o médico Gustavo Fernandes. “Na Inglaterra e no Canadá na década passada, foi um surto semelhante ao da fosfoetanolamina no Brasil”, diz ele, se referindo à substância que ficou conhecida como “pílula do câncer”, testada sem resultados de eficácia no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). “Acabou que não se estruturou como sendo uma molécula que ajude muito”.
Por que a pesquisa com DCA não seguiu adiante? Segundo o texto que viralizou no Facebook, trata-se uma substância simples, que não precisa de patente, e por isso não gerou interesse da indústria farmacêutica. De fato, não houve financiamento por parte de empresas de medicamentos mas, como destaca Fernandes, é possível bancar pesquisas de outras maneiras.
“Se os dados iniciais fossem suficientemente convincentes, provavelmente o governo canadense investiria recursos na avaliação desses dados”, pondera. “Não é uma tradição brasileira investir em pesquisa, e estamos num ciclo pior ainda por causa da crise econômica. Mas fora do Brasil é bastante comum: o governo europeu, americano e canadense investem em pesquisas promissoras que não são alvo de desenvolvimento da indústria farmacêutica”.
O professor Fernando Cotait Maluf, integrante do Centro de Oncologia do Hospital Albert Einstein, afirma que as pesquisas sobre o DCA ainda são preliminares e que o fato de o tema não ser mais discutido há anos indica que a substância não apresentou resultados conclusivos. “Não tem nada de incrível, nada. Não tem substancial nenhum”, diz.
Boatos online que falam sobre a “cura do câncer” são comuns. Este ano, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) publicou uma lista com 14 fake news sobre câncer — água de coco quente e frutas já foram apontadas como curas no WhatsApp. O Ministério da Saúde também disponibiliza um número para envio de mensagens potencialmente enganosas sobre saúde: (61) 9-9289-4640.
Para oncologistas, notícias sobre “cura do câncer”, mesmo as baseadas em evidências de estudos, devem ser vistas com ceticismo. Isso porque existem muitos tipos diferentes de tumor, e cada um deles deve ser tratado de uma forma específica. Ainda não existe uma cura global para o câncer.
“Os prognósticos e os tratamentos são diferentes: em alguns tipos de câncer usamos imunoterapia e em outros, radioterapia. Cada um é diferente do outro e as estratégias mudam”, afirma o oncologista do Hospital Sírio-Libanês Tulio Pfiffer, pesquisador do Icesp. “A comunidade científica mundial tem melhorado bastante, mas não tem e nunca vai ter uma bala de prata mágica que vai curar todos os tipos de câncer de uma só vez.”
Segundo Pfiffer, as notícias falsas sobre o tema usam o temor dos pacientes para induzi-los a um tratamento sem garantias. Em caso de dúvidas, a recomendação é sempre discutir essas informações suspeitas com oncologistas especializados e buscar referências em sites confiáveis, como o do INCA.
“Você tem centenas, milhares de pessoas angustiadas com um tratamento que nem sempre existe e, do outro lado, você tem gente querendo ganhar dinheiro vendendo falsas esperanças”, afirma.
Fonte: O Estado de S. Pau
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