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Tratamento com vírus geneticamente modificado freia câncer de retina

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29/01/2019

 

O uso de vírus geneticamente modificados como arma contra o câncer, uma abordagem que tem despertado cada vez mais atenção nos últimos anos, mostrou resultados preliminares promissores contra um tipo de tumor que costuma afetar a retina de crianças pequenas.

Em testes feitos com animais e com duas meninas de dois anos que já não respondiam a nenhum outro tratamento, os vírus se revelaram capazes de destruir ao menos parte do tumor e de evitar metástases, ou seja, o avanço do câncer para outros órgãos.

A abordagem ainda precisa ser refinada com mais testes clínicos (em humanos). Mas ela representa esperança porque, em muitos casos, a única opção de tratamento para o retinoblastoma, como é conhecido esse tipo de tumor, é a remoção do olho afetado. Em alguns casos, ambos os globos oculares ficam comprometidos e precisam ser retirados.

Calcula-se que ocorram 8.000 novos casos de retinoblastoma a cada ano. Entre os tumores diagnosticados em crianças de até um ano de idade, a doença representa 11% das ocorrências de câncer.
Ao contrário do que acontece em outros cânceres, as alterações no DNA que desencadeiam o retinoblastoma são bem conhecidas, afetando o gene RB1. O gene é, não por acaso, um supressor de tumores, ou seja, contém a receita para a produção de uma molécula que ajuda a controlar a proliferação das células e impede que ela se descontrole, o que costuma desencadear a formação tumoral).

Foi justamente levando em conta o papel-chave do gene RB1 que os responsáveis pela nova arma contra o retinoblastoma desenvolveram seu trabalho. A equipe coordenada por Ángel Montero Carcaboso, do Instituto de Pesquisa Sant Joan de Deu, em Barcelona, trabalhou com um adenovírus oncolítico, ou seja, um vírus preparado para causar a “lise” (ou seja, a “quebra”) de células de câncer (daí o “onco” no nome), e apenas delas.

O vírus oncolítico foi alterado para que ele só conseguisse se multiplicar no interior de células cujas cópias do gene RB1 não funcionam mais (justamente o caso das pertencentes ao retinoblastoma). Além disso, o receptor, ou fechadura química usada pelo parasita para adentrar as células, só costuma estar presente na superfície de tumores. Para potencializar ainda mais a ação antitumoral, o vírus recebeu, em seu material genético, instruções que o ajudam a destruir a matriz de moléculas que existe entre as células cancerosas, facilitando seu espalhamento.

Abordagens semelhantes já têm sido testadas em diferentes tipos de câncer desde a década passada. Nos EUA, em 2015, a FDA (que regula fármacos e alimentos no país) aprovou o uso comercial do primeiro vírus oncolítico, uma versão modificada do causador da herpes usada para tratar melanoma.

 

Além da ação direta do vírus contra o tumor, a abordagem é considerada interessante porque pode estimular os ataques do próprio sistema de defesa do organismo contra a doença, caso as partículas virais carreguem genes que estimulem isso. A segurança contra uma infecção generalizada é garantida, em tese, pelo fato de o vírus invadir preferencialmente as células cancerosas e pela administração local do tratamento, por meio de injeções, por exemplo.

Para chegar ao tratamento experimental com as duas meninas, os pesquisadores primeiro expuseram culturas de células em laboratório, cultivadas a partir de tumores de 12 pacientes, ao vírus, comprovando que o parasita era capaz de infectar e matar as células tumorais. 

Depois, em experimentos com camundongos e coelhos, os cientistas mostraram que os vírus se mantêm basicamente restritos à região onde são injetados, sem afetar outros órgãos, além de proteger durante meses os olhos dos animais do estágio em que seria necessário removê-los e evitar metástases.

As duas meninas tinham retinoblastomas que não respondiam mais à quimioterapia. Com elas, os resultados foram mais complicados. Na primeira, os vírus produziram um processo inflamatório que impedia que os pesquisadores continuassem a visualizar a progressão do tumor, o que acabou levando à remoção cirúrgica do olho.

No caso da segunda paciente, a inflamação foi controlada com drogas, e a aplicação viral destruiu parte das células tumorais. A retirada do olho afetado, portanto, foi evitada. Agora, será necessário refinar a estratégia e fazer novos testes em busca de uma taxa de sucesso mais alta. 

O estudo está na última edição da revista Science Translational Medicine.

Fonte: Folha de S.Paulo

 

 

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